Viagens por aí a dentro

quarta-feira, maio 10, 2006

Uma viagem até às 2 principais cidades da Beira Interior.

[updated]

Vontade de escapar, letra F repetida até aos dedos da mão e um revisor da CP apaixonado por parapente... o que é que isto tudo tem em comum?

Finalmente e depois de vários meses de espera, o vídeo da viagem disponível via youtube!




Castelo Branco fica quase a 3 horas de Lisboa de comboio, viagem que aconselho vivamente por ser mui bela especialmente desde o Entroncamento até (Vila Velha de) Rodão, local onde o Tejo deixa de nos fazer companhia, presenteando-nos até lá com belas construções humanas começando pela própria linha de caminho-de-ferro que, aqui e ali, parece pairar sobre a água tendo o dom de transformar a nossa carruagem num veículo anfíbio.

De grande interesse encontram-se o castelo de Almourol, plantado no rio e ainda as barragens de Belver e do Fratel imponentes represas da força das águas. Nota importante para Constância e Abrantes onde se notam 2 pontes metálicas que o comboio atravessa num ápice. A partir das portas do Rodão, um entalhe em forma de V que o rio atravessa na pressa de chegar á foz, o percurso inclina para o interior até chegarmos à cidade de Castelo Branco.
Castelo Branco que diz o povo ter 3 estações; a saber: Inverno, Verão e Caminho-de-Ferro. É só aperceber-mo-nos do estado do clima por estas paragens para ver que não há meio-termo no que a isso toca.
Segundo os guias, aos quais é aposta a minha opinião pessoal (sujeita a devaneios não íncluídos) o belo de Castelo Branco é perder-se pelos amontoados de casas que enfeitam a colina (Monte da Cardosa) onde mesmo que reine um calor abrasador, pode-se encontrar um fresquinho e um cheiro doce que emerge de dentro do casario.
Ao subir ao Castelo, ou ao que dele resta, pode-se ter uma panorâmica avassaladora da Serra (da Gardunha e Estrela) a Norte e a Este. Para Sul e Oeste o melhor é dar corda aos sapatos e visitar o jardim/pinhal ainda dentro das ruínas das muralhas.

Vivam as farinheiras e as morcelas mouras!
Para quem gosta de enchidos ou queijos, nada como dar uma saltada ao mercado municipal e aproveitar o contacto com os próprios produtores desses mesmos produtos para aquiri-los directamente da origem. Já que se está no Mercado devem-se dar umas voltinhas pelo centro, que à data de 2006 se encontra completamente de cara lavada, relativamente aos meus tempos de meninice passada numa aldeia perto. Também bastante aconselháveis são o Jardim do Paço Episcopal (com imensos jogos de água) e o respectivo museu como ainda o Parque da Cidade.
Em Castelo Branco para quem tem pernas tudo é perto!


“Ay muito me tarda/ o meu Amigo da Guarda”
cantiga de amigo de D. Sancho I

A vontade de ir à Guarda vem de longe, desde que vi uma reportagem que retratava que a linha que ligava Covilhã à Guarda estava em bastante mau estado, tomando o percurso de 40 quilometros cerca de 1 hora e meia a fazer. O que fui ouvir... uma linha de comboio que passa ao lado da Serra da Estrela tem tal encanto que teria que a “fazer” nem que fosse a 10 quilometros/hora. Mas o esforço de apanhar um comboio ás 6.43 da manhã que começou ás 2 da manhã no Entroncamento, com maquinista e revisor bem cansados e pouco dormidos tem algo de aventura!

Mas já lá vamos....
Depois de uma noite não lá muito bem dormida, na excitação de andar nessa linha que cheirava a desconhecido, lá fui, pensando que na pior das hipóteses ainda me calhava a Covilhã, mal menor mas ao menos era mais linha desconhecida que deixaria de o ser.
À hora da tomada da automotora encontrei uma simpática senhora já com vida e passagem feita pelos Algarves e originária da Covilhã, que esbarrou, como eu, com uma bilheteira fechada. Restou dirigirmo-nos para o cais oposto onde estava parada uma automotora Allan renovada em 2003, à nossa espera já com o motor a diesel fumegando e tarimbando, muito provavelmente como vinha fazendo há 40 anos antes da remodelação.
Conversa puxa conversa, e os destinos definiram-se; eu já ia com ela fisgada na Guarda, e a minha amiga de assento ficava por Donas, um pouco antes do Fundão. Donas esta, terra do ilustre António Guterres e segundo o que ela me afiançou também de José Hermano Saraiva.
O assunto resvala para o preço do bilhete. Eu sendo um jovem pago apenas 5.50€ por uma viagem mais longa do que a apenas o trajecto até Donas pela qual a minha amiga paga 4.50€. “Mais um pouco e os preços eram iguais” queixava-se ela ao revisor zeloso da sua função de máquina registadora em punho.
Na passagem pela Gardunha intromete-se o túnel ferroviário de Alpedrinha que fura sem piedade uma grande extensão da Serra sem antes nos deixar de deslumbrar com passagens por Castelo Novo paragens estas (dignas de comboio regional) que permitem admirar com mais intensidade a planície que ora seca ora verdejante se desenrola aos nossos pés a Sul em direcção á nossa Origem.
Passado o túnel, entramos na Cova da Beira, famosa pela cereja e pela flôr da mesma que, dizem os locais, compete de igual para igual com espectáculo da amendoeira em flôr das Terras dos Algarves. Seguem-se pequenas paragens até chegar ao Fundão, meio caminho até a Guarda, já com a Covilhã a adivinhar-se ao fundo e com a imagem meio desfalecida das Torres da Serra da Estrela. Foi aqui tempo de paragem para uma curta espera pelo comboio que descia da Covilhã para a Capital.
De novo prego a fundo, o ronronar de tractor da nossa automotora e marcha até à Covilhã onde sai a massa humana que tinha entrado pelo caminho, para se dedicarem a um ou outro afazer ou compra na cidade espetada na colina, a porta de entrada no céu da Estrela.

Pouca-terra, pouca-terra... muito pouco pouca-terra
Uma breve conversa – enquanto não secavam uns degraus lavados à mangueira e não retornava a outra irmã desta automotora da Guarda – com o revisor deu para ele ver a minha maluqeuira pelos “pouca-terra” assim como para desvendar a faceta “radical” deste funcionário da CP versado em parapente e BTT não só em nacional terreno como também em terras Helvéticas. Um hobbie, diz ele, que nem é caro salvo o investimento inicial. Prefiro manter os pés nos carris e seguir viagem para a terra dos 5 éfes. O deslumbramento é total à saída da Covilhã, onde se passam por 2 pontes de impor respeito, uma sobre o ribeiro que atravessava o antigo complexo de lanificios que é (e foi) a cidade, agora já limpa da poluição reinante, e a segunda passagem pelo rio Zêzere que aqui não é nada mais do que um chão com nem sequer um palmo de água. Até à Fria, Formosa, Farta, forte e Fiel cidade da Guarda são uns penosos 40 quilómetros a velocidades de lentas a vagarosas para o stresse ocidental.
São no entanto mais que suficientes para os apaixonados da vista, pois pode-se passar por precípicios galgados por pontes mais que centenárias (restringidas por isso à morosa velocidade de 20 ou até 10 km/h) ou admirar de longe a beleza da vila(?) de Belmonte conhecido refúgio judeu em Portugal e terra de Pedro Alvares Cabral (?), ostentadora de um singelo Castelo. Mesmo devagar temos a sorte de apreciar sem sair do lugar a beleza da Serra contornada pelo lado de fora mais chegado à fronteira, bebendo as imagens dadas pelo vale que se forma entre a colina que o comboio galga e a outra sobranceira onde passa a auto-estrada de mais recente construção.

Os 5 F’s
Chegado á Guarda e feitas as despedidas ao maquinista e ao revisor, merecedores de um revigorante descanso, estava nas minhas mãos – ou melhor pés – trepar até à Guarda. A cidade propriamente dita dista 3 quilómetros de Guarda-Gare, no sopé da cidade. Não façam como eu (a pé) e sejam gentis ao usar o táxi ou a Carreira da RBI, para não serem apelidados de atletas/malucos (riscar o que não interessa) quando vos for perguntado no posto de Tursimo de que maneira se deslocaram até lá.
Da Guarda o que há de bonito é a Sé e o seu “cú” virado para espanha; o Castelo da qual resta apenas a torre de Menagem a 1056 metros de altura com uma envolvente de tirar a respiração; o envolver das ruas estreitinhas da Judiaria e taberna do Benfica colocada perto da porta da Erva uma das 3 que ainda restam dos tempos de D. Sancho I. D. Sancho, esse, que muito supirava pela Ribeirinha a filha de um fidalgo da região. Conta-se que o nosso Rei a andava a com...cortejar. A Taberna do Benfica dirigida por um casal bem acolhedor de velhotes, é o sitio ideal para desfiar e aprofundar as nossas conversas.



Depois de um passeio demorado, quer á deriva quer guiado – pelo posto de turismo na Praça Velha junto à Sé – pelas ruas, palácios, museus e jardins, aconselho a ida até ao Parque Municipal, bafejado pelos melhores ares citadinos do País, onde se pode descontrair ou queimar as gordurinhas ganhas com os enchidos e queijos, no circuito de manutenção. Para quem eventualmente queira ficar demorado pelas paragens da serra, o IPJ e a sua Pousada é sempre uma excelente opção, com uma bela vista, e, com sorte e o tempo de frio, um manto branco de neve que se estende até onde os olhos alcançam.

Até à próxima viagem!