Viagens por aí a dentro

sábado, agosto 06, 2005

Porto- Braga

À sombra de 4 dias, das árvores da Praça do Municipio, e de outras tantas peripécias e passeios novos, vem a imagem e luz da viagem de comboio. Moído de tão grande façanha de atravessar meio e mais um pouco de país de mochila ás costas e saco de viagem pendente na outra, lá me arrasto para a compra de bilhete. Nada demais, já que quem viu as máquinas suburbanas de Lisboa, viu todas as que populam por aí, neste rectângulo, uma vez que a Refer, está uniformizando tudo, lembrando os outros tempos, tempos esses em que as estações todas elas brancas e debruadas a azulejo, com o seu ar provinciano e rude, de casinha humilde de campo. Hoje, idade do aço e betão revestido a vidro, fazemos como nos tempos modernos: abraçamos, acolhemos e escondemos o antigo por debaixo do novo. Com sorte num tempo futuro um dia ainda consigamos resgatar de uma vala arqueológica aquele pequeno pedaço de azulejo do século XX.

Os comboios ditos suburbanos seriam iguais aos que asseguram o serviço até Sintra, pensava eu. Saiu o tiro pela culatra... já deveria estar premonido uma vez que já tinha avistado uma composição em Aveiro, cujo ar aparentemente frágil, “clean” e quase desarticulado de (quem olha para) um eléctrico dos novos de Lisboa, não inspira confiança. Pois é, estes novos suburbanos de aspecto moderno aerodinâmico e “eletricular”, fazem diariamente a vulgar “porrada” de quilómetros nesta área do Porto. Uma área metropolitana e suburbana extenssísima quando comparada com a de Lisboa. Os 55 e os 45 quilómetros que separam Porto de Braga e de Guimarães são muito mais do que a distância de Lisboa a Cascais ou a Sintra. Salvé a suburbana área de Lisboa as cidades de Vila Franca de Xira e Azambuja, por permitirem estas aumentar o figurão da Capital.

Gostaria de fundar o chamado suburbanismo extendido, que é o que se me apraz de dizer deste eixo Porto – Braga, mais principalmente desta linha. Ao sair do Porto, nota-se um emaranhado de linhas, sucatas, ferros velhos e tudo com um aspecto feio, sujo, lugrube e pós-industrial. Para quem o conhece o estilo não é nada demais. O que mais pode chocar é a transição abrupta do estilo para o rural. Assim, num abrir e fechar de olhos... esse tal suburbano extendido funciona como uma linha ténue , que une as duas cidades, a linha de carril apenas esse pedaço de ferro a ideia de urbe. Tudo o resto à volta mantêm-se estático e rural com deve de ser. O comboio assim moderno e eléctrico e confortável, destoa na paisagem quase virgem, tão virgem quanto a linha toda renovada, recém-inaugurada e a tresandar a moderno. O modernismo rompe pelos campos e vales verdes deste Minho interior e húmido, onde a esta hora da tarde quase noite, o Sol torna-se vermelho fogo, e irrompe pelas carruagens em bloco ligadas entre sí pelos foles, enquanto quase 3 dezenas de paragens cortam o embalar.

Estações tão urbanas quanto Águas Santas e Ermesinde lembram-nos o quão perto estamos do Porto, enquanto que outras com nomes mais estranhos como Travagem, tão pessoais quanto Leandro, tão pacóvios quanto Tadim – que numa piada estúpida e sem graça pode ser estendida para Tadi...nho – ou Aveleda, e tão senhoriais e feudais como Couto de Cambeses, remetem-nos para uma ruralidade acabrunhada. Com essa ruralidade nortenha, vem-me à cabeça o sotaque tão típico das pessoas nadas e vivas aqui – ou ás vezes apenas vivas uma vez que a acostumação não raras vezes faz com que a língua adopte a convenção da Terra – que por mais frenético e estiloso seja o seu dia-a-dia, é impossível não pensar logo logo na sua tacanhês provinciana. O estereotipo está lá, eu sei, e é estupido, mas é o lidar o embate e o que o primeiro contacto fazem despelotar. É deveras um preconceito que é desfeito com o passar do tempo.

Dos passageiros deste comboio não há muito que dizer. Estava à espera de uma hora de ponta metropolitana, mas vim ao engano. Se calhar, lá atrás, no Porto, e nos seus confins, as coisas sejam assim. Aqui não; aqui o único traço que se nota é o sono mal dormido de véspera que se acumula com o cansaço, dando origem ao adormecimento. Os rostos, alguns joviais, outros mais cansados, e outros ainda típicos do bebedolas lá so sítio – daqueles que paira de tasca em tasca sem remédio – que vigilantes mas não assim tão despertos, lá se vão dirigindo para a porta, quando a voz de Bingo anuncia a estação de Paragem, saída na bola sorteada. Saio na última. Pelo volume de gente que aqui sai, vejo que a auto-estrada é uma alternativa excelente, pelo menos para quem vive em Braga e pode ter carro próprio – aqui mais imprescendível do que na capital – a fazer a ligação em 1h 40m.

Chegado a Braga, estação nova, a impressão não difere da de uma grande cidade; muito movimento, muitos carros e autocarros, um bulício e uma pulsão muito própria que quase me levou a pensar que me teria enganado no destino. Braga tem uma vida própria embora muito parecida a Lisboa em movimento. Vêem-se pessoas correndo agitadas e comércio por todo o lado . Braga é peculiar porque tenta conciliar esta vida toda em dois espaços: o velho mais religioso e o novo mais profano e capitalista. Braga vive e lida com isto muito bem, sem atropelos. As pessoas mais novas vivem como se vivessem na capital, influenciadas pelo que é moderno, como em qualquer outra cidade grande que se preze. Ajudadas também pelos ventos estudantis Universitários que obrigam ao progresso. Mas Braga também mostra virtuosamente a sua parte velha, que não entra em conflito nem se sobrepõe ou é sobreposta com todo o resto. Tem o seu lugar. O centro, no centro. Damos de conta com preciosidades e maravilhas arquitectónicas. Por vezes, e não raras, ouvimos sinos a ecoar. O seu som propaga-se por todo o espaço. Só assim é que de vez enquando se nota que é uma cidade mas uma cidade mais campestre do que todas as outras.

É indelével, a marca que a paisagem circundante deixa na urbe. Estamos num vale rodeado de montes verdes. É normal que nos sintamos numa cidade peculiar no sentido rural, mais se a isso juntarmos o sotaque das gentes – não desjuntando novos dos velhos nem dos assim assim – e o seu facies que nos faz sentir estranhos. Estranhos naquele sitio. Nós não somos dalí. Não desta cidade a aspirar campo por todo o lado. É isso que a falta, a meu ver, para ser uma cidade completa. Libertar-se do campo de uma vez por todas. Mandar todo o campestre para as urtigas. Mas isso é impossível. Mas isso também é o que torna uma cidade destas singular. É por isso é que não é uma capital ... por mais condições, equipamentos, Internet, iniciativas – muito boas por sinal – Braga há-de sempre continuar a sê-lo. E bem! Terá pelo menos até ao fim dos mais velhos – que sempre existirão independentemente da época- que lembrarão como se fala como antigamente, como se fazem as coisas a preceito, ou a arte de bem cascar em quem nós manda.

E por mais familias modernas, e por mais construções – bem edificadas e planeadas – por mais iniciativas desportivas e culturais, Braga está ligada á sua religião e aos seus tempos imemoriais de fundação. Está tudo ligado ao campo também. Tudo se propaga na cara e nos genes dos Bracarenses de gema. Um traço campestre que durante algum tempo irá permanecer na sua vida, até que ninguém mais se lembre destes tempos. Por agora, há que viver esta vida aqui. Aproveitar estes tempos que trouxeram o variado progresso à cidade. Aconchegarem-se do frio, dar azo a uma vida cosmopolita. Mas, de quando em vez, lembrando o traço que os liga a este Minho rural. Quiçá dar um passeio pela história patente na cidade, ou deslizar por esses montes ou então bastar dirigir-se ao mercado ou a lojas agrícolas. Braga é o melhor do rural e do cosmopolita, fundido mas sem embate, que este Minho tem para mostrar.

As gentes... as gentes essas, tirando estas sub-urbanas estendidas que vivem ora uma realidade cosmopolita ora uma realidade, não digo mais rural, mas mais... simples, são do mais emblemático e que de pitoresco se pode ver. Ao fazer esta descrição sinto-me quase como um cientista, parcendo que olho as coisas por cima, desprezando quem observo. Não, as pessoas são mesmo assim: simples, directas e sem subterfúgios. Dizem o que pensam e não tem medo de o dizer. Não tem medo que pareça mal. O que está dito, dito está e mais nada. Vivem do que são e cagam para as aparências. Quem sabe se um dia não possamos todos fazer o mesmo e libertar a cabeça de coisas mais vãs!

Para conheer esta gente, mais velhos e mais novos, que ambos vivem as coisas de maneira diferente, há que fazer por isso, não ficar na cidade, ou, se ao ficar, percorrer as ruas mais antigas e as igrejas. São esses os sítios onde se pode sentir mais a alma e o pulsar destas gentes.

Senão, façam um passeio de autocarro que ligue algumas das cidades circundantes, sempre pelo meio de outras povoações.

De certo que aprendem e adivinham muito mais do que por aí sentados...