Viagens por aí a dentro

terça-feira, março 01, 2005

Viagens na cidade: Sobe & Desce

Hoje tirei a tarde para mim. Fui visitar os elevadores da Capital. Até parece mal a um lisboeta de gema, nunca ter tido o interesse de dar uma vista de olhos a estes pequenos grandes escaladores de colinas.

Para um claustrofóbico de primeira como eu a coisa deveria parecer feia no Elevador de Santa Justa. Mas com um pouco de coragem - porque um homem não tem medo!!! - e com uma vontade grande de ver a vista lá de cima, e sendo virgem na viagem lá fui. O trajecto é sempre a subir e em menos de 20 segundos já lá estamos em cima. Rodeado de estrangeiros e os seus dialectos que, no meio de tanta opinião, espanto e comentário, parecia uma autentica Torre de Babel o Edifício. Com um suave esticão de paragem, e tendo cuidado com o degrau na saída, toca de ir para cima, na escada de caracol. No piso intermédio podem-se apreciar através do vidro, os dois potentes motores eléctricos - que, já agora, atingem no seu auge as 550 rotações por minuto - de fabrico inglês que permitem que as cabine mais os seus 20 passageiros (no máximo na subida) ascendam ao topo.

Da vista a assinalar temos que assinalar a visão límpida do Tejo, e o aproveitar para ver de relance os novos barcos da Transtejo e da Soflusa que deixam que a espuma de rasto dos motores se cruze entre sí .

Quem quiser pode ainda demorar o tempo pousando a vista nos diversos miradouros que existem nas colinas que ladeiam a Baixa Pombalina. Para o lado do Castelo, o miradouro do Castelo de S. Jorge e o da Graça. Para o lado do passadiço o Miradouro de São Pedro de Alcântara.

Dando começo à descida, desta vez com menos pessoas, e após a chegada, deparo com uma breve história do Elevador, que ao contrário do que lhe chamam, não é de Santa Justa mas sim do Carmo. Pelo andar das obras deve estar para breve a reabertura do passadiço à circulação, facilitando assim o acesso à parte mais alta do Chiado.


Neste percurso pelos ascensores, está na hora de um passeio pedonal, afastado das vias principais. Na saída do elevador, vira-se à esquerda e 3 ruas à frente á direita, para dar de caras com o Tribunal da Boa-Hora. Seguindo para a Praça do Município e rua do Arsenal onde se podem apreciar tascos e tascas bem castiças mas também finas mercearias de bacalhau e afins com todos.

Na próxima abertura de rua, hora de virar à direita por uma nesga paralela à rua do Arsenal, e é tempo de passar por debaixo do arco que sobe para o Bairro Alto. Esta zona é bastante conhecida pelos seu bares com actividades menos próprias, por dar casa a grandes cadelas e curtes de bebedeiras, mas também por alojar das melhores tascas onde se come do mais apurado e barato em Lisboa. Só de cheirar uns bifinhos de cebolada a sair da porta do estabelecimento, a boca quase que sente o seu sabor na língua.

Seguindo um pouco mais à frente, e do nosso lado direito encontra-se o elevador da Bica, aninhado na sua casinha. Dos de Lisboa é este o mais pequeno mas também mais inclinado. Enquanto se espera pela partida, é tempo de escolher qual das divisões se pretende ocupar, distinguindo entre ir de pé ou sentado de costas. O elevador da Bica é dos mais castiços que pode haver. Com o seu aspecto frágil, percorre a divisão equidistante do bairro da Bica. E o melhor de tudo é que qualquer um o pode abandonar a meio do percurso. Imagino um meio de transporte do futuro onde qualquer um pode eclipsar-se por artes mágicas ou pensativas quando a casa está próximo. Se calhar os elevadores são uma alternativa de futuro e nem demos por isso...


Chegados ao Calhariz, deparamo-nos com uma protecção ad-hoc para ninguém cair no buraco de alçapão do elevador. Umas barras de ferro são o suficiente para o mais incauto não desaparecer pelo chão. O alçapão pelo qual o guarda-freio desapareceu aloja a casa das máquinas que se encarrega de dar tracção às duas cabines. Da maquineta apenas se vêem 2 roldanas gigantes que ajudam a tragar porções de cabo para cima e para baixo.

Se seguirmos para a direita - e isto pode ser feito de inúmeras maneiras entre as quais de eléctrico - chegamos ao Largo de Camões onde subimos de novo, através do Bairro Alto ( rua das Gáveas) para uma descida pelo elevador da Glória. Se na passagem fugaz pelo Bairro ouvirem uma banda qualquer de reggae ou de qualquer outro estilo alternativo à corrente, não se espantem. É a vida do Bairro a jorrar a cada esquina.


O elevador da Glória é dos menos pitorescos para a vista, mas é aquele que permite encontrar mais gente, especialmente no percurso de subida. Para baixo já se sabe que todos os santos ajudam! O momento de partida é dado pela cabine que se encontra lá em baixo nos Restauradores, e é assinalada por um tremelicar de luzes. O guarda-freio dirige-se competente para o seu posto é começa a marcha do amarelo. Menos de 1 minuto estão a cruzar-se as cabines e pouco tempo depois chega-se ao abrigo da paragem, paredes meias com uma sex shop.


E no coração de Lisboa, na Avenida da Liberdade, é ir andando para a última partida da tarde: o elevador do Lavra. Com partida no Largo da Anunciada, este funicular é em tudo semelhante ao da Glória. Mesma disposição de bancos, mesa cor e mesmo tipo de carroçaria. O percurso parece é deveras mais inclinado, e o cume é mais abrigado. Tão abrigado que quase parece uma estação terminal de teleférico. Pelo meio, e ainda à espera que a hora de dar o sinal para o topo chegasse, houve tempo para servir de voyeur de conversas de bairro. O habitual corte e casaca, não neste e naquela mas sim no preço das coisas, e da tecnologia que senão mata , esfola. Ora se perde mais tempo porque nada está tecnológico e "competurizado", ora é tudo demasiado para a nossa cabeça, e já está demasiado avançado demais. O português nunca está contente. Ora aquece ora arrefece.

No topo uma surpresa que não está aos olhos de todos. Um jardim em plena colina. Para o descobrir é só sair do elevador para a esquerda e seguir a placa. Lá encontra-se uma paisagem para o vale da Baixa, estando o espectador rodeado de arvores gigantes e de lagos sem água. Se calhar o preço de uma remodelação que parece que está a sofrer o sítio, ou então resultado de uma politica de contenção mais extremista. Certo é que tem uma paisagem bonita e estratificada.

Se sairmos pela porta de baixo do jardim, vamos dar com uma calçada assaz íngreme que sobe para o Campo Mártires da Pátria, que acolhe a Faculdade de Medicina da Universidade Nova de Lisboa. O Largo recentemente recuperado, alberga um monumento ao Dr. Sousa Martins, alvo de uma devoção fervorosa. Nas proximidades podemos encontrar tudo e mais alguma coisa relacionado com Medicina, desde o Instituto Camâra Pestana, até aos 3 hospitais mais históricos de Lisboa: S. José, Desterro e Capuchos, tudo dimensionado num pequeno centro circuito de casas antigas.

Se apanharmos um autocarro na rua que corta o Campo damos connosco no centro de Lisboa. A zona de Picoas e o Eixo do Marquês do Pombal. Aqui houve tempo para visitar uma das mais recentes coqueluches de compras abastadas da capital, o reconvertido Palácio de SottoMayor, bem no centro da cidade, na avenida Fontes Pereira de Melo perto do Teatro Villaret. O espaço apenas peca por pouco frequentado - será isso um pecado na correria das compras do dia-a-dia? - talvez pela hora a que foi visitado, mas capta bem a essência - pelo menos nos pisos 4 e 5 recuperados do antigo palácio - do que terá sido aquela casa. O amplo jardim onde anteriormente crescia erva e mato do grosso, deu agora origem a cimento e a uma entrada para o espaço de compras inferior. O que cativa mesmo é o sossego e a maneira original como foram dispostas as lojas dentro do edifício original.


Acaba então o circuito dos elevadores, num elevador panorâmico do centro, que nada tem a haver com aqueles outros amarelos e outros em torres de ferro trabalhadas por discípulos aplicados.